"Eu sei que nem todos os dias são manhãs de sol. E que neste equilíbrio, ora enamorado ora soturno, com a Natureza, também dentro de nós a vida se enche de brios, ou como um bocejo que se prolonga, fica pachorrenta e até incomoda.
Sei também que pode parecer ingratidão dizê-lo assim... mas talvez o que nos empaturre seja o lixo dos sentimentos. Tudo aquilo que fica (e, para mais, hermeticamente guardado) das relações de conveniência, do narcisismo dos outros que nos atropela, e do mau «humor corporal» daqueles que, em todos os gestos, têm no olhar uma espécie de grafitti do género: «cuidado com o cão!» Mais as poses a «puxar ao sério» daqueles que, à falta de melhor, de cada reunião - que tornam estéril e interminável - fazem um exercício de poder. (...)
O lixo dos sentimentos é uma espécie de película peganhenta de indiferença que entra pela «porta dos fundos» da nossa vida e nos guarda, para viver, um quartinho nas traseiras do nosso coração. Será aquilo que nos corrói de «tanto faz», de «vai-se andando», ou de «amanhã será melhor», com que a esperança, o amor de alguém ou os sonhos (os nossos e aqueles que nos deram para que compartilhássemos) esperam por dias melhores.
Claro que há quem diga que dormir sobre os assuntos é uma fantástica incineradora do lixo dos sentimentos. E quem garanta, que dessa forma, se poupam os resíduos tóxicos e até as dioxinas.
Eu, por mim (recordando aquele simpático chimpanzé de um spot sobre lixos que não precisava da vida toda para pôr uma casca de banana no sítio certo), defendo que, em vez de guardarmos (só para nós) aquilo que doa, não devemos deixar de depositar, devidamente acondicionado, dentro de quem nos magoa, a autenticidade de tudo o que sentimos, mesmo que pareçam desperdícios). E defendo mais: que assumamos esta irresistível tendência de separarmos (dentro de nós) o lixo dos sentimentos, levando a que a sua reciclagem nos permita transformar tudo o que nos mói em sinais interiores de riqueza. Sim: sinais interiores de riqueza. Seja em alegria ou em assombro, em resmunguice, ou na irresistível tentação de gostar dos outros. Desde que o tudo o que era para se deitar para o lixo se fale: com um som, com um nome, num gesto ou por um sinal (mesmo que seja simples ou fugaz). Mas que se fale. Porque, afinal, o lixo dos sentimentos embrulha-se de um silêncio que atordoa. E mata, em combustão lenta, todos os namoros com a vida."
Eduardo Sá, Chega-te a mim e deixa-te estar, textos com psicologia
img. Recycle, OliviaLaiShetler via deviant art
Sei também que pode parecer ingratidão dizê-lo assim... mas talvez o que nos empaturre seja o lixo dos sentimentos. Tudo aquilo que fica (e, para mais, hermeticamente guardado) das relações de conveniência, do narcisismo dos outros que nos atropela, e do mau «humor corporal» daqueles que, em todos os gestos, têm no olhar uma espécie de grafitti do género: «cuidado com o cão!» Mais as poses a «puxar ao sério» daqueles que, à falta de melhor, de cada reunião - que tornam estéril e interminável - fazem um exercício de poder. (...)
O lixo dos sentimentos é uma espécie de película peganhenta de indiferença que entra pela «porta dos fundos» da nossa vida e nos guarda, para viver, um quartinho nas traseiras do nosso coração. Será aquilo que nos corrói de «tanto faz», de «vai-se andando», ou de «amanhã será melhor», com que a esperança, o amor de alguém ou os sonhos (os nossos e aqueles que nos deram para que compartilhássemos) esperam por dias melhores.
Claro que há quem diga que dormir sobre os assuntos é uma fantástica incineradora do lixo dos sentimentos. E quem garanta, que dessa forma, se poupam os resíduos tóxicos e até as dioxinas.
Eu, por mim (recordando aquele simpático chimpanzé de um spot sobre lixos que não precisava da vida toda para pôr uma casca de banana no sítio certo), defendo que, em vez de guardarmos (só para nós) aquilo que doa, não devemos deixar de depositar, devidamente acondicionado, dentro de quem nos magoa, a autenticidade de tudo o que sentimos, mesmo que pareçam desperdícios). E defendo mais: que assumamos esta irresistível tendência de separarmos (dentro de nós) o lixo dos sentimentos, levando a que a sua reciclagem nos permita transformar tudo o que nos mói em sinais interiores de riqueza. Sim: sinais interiores de riqueza. Seja em alegria ou em assombro, em resmunguice, ou na irresistível tentação de gostar dos outros. Desde que o tudo o que era para se deitar para o lixo se fale: com um som, com um nome, num gesto ou por um sinal (mesmo que seja simples ou fugaz). Mas que se fale. Porque, afinal, o lixo dos sentimentos embrulha-se de um silêncio que atordoa. E mata, em combustão lenta, todos os namoros com a vida."
Eduardo Sá, Chega-te a mim e deixa-te estar, textos com psicologia
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